quarta-feira, 10 de setembro de 2014

Sinestesia

Ele gostou do meu Chantal Thomass.
Acariciava minha  nuca com o nariz como se a própria vida dependesse daquilo.
Eu morria um milhão de vezes quando nossos corpos se deslocavam da parede à janela, da janela à sacada, numa dança de desritmo e frenesi. E voltava a viver toda vez que eu tinha que alertar as suas mãos sedentas a terminarem seu caminho no meu quadril.
O risco da porta sem chave, de alguém acordar. Línguas temendo línguas.
A moral se confundia com o medo, o desejo alimentava a coragem. E a razão, ali, não era ninguém. Depois, de certo, ela viria pesar sobre a cabeça.
O escuro fazia dos seus olhos um dialeto que eu não entendia, seu riso frouxo nas pausas dos beijos, o corpo mole entregue à parede, meu descontrole. Tudo ali era e acontecia como se a gente não tivesse nada a temer,
mas tinha.
Eu, assim como ele, adorei correr o risco. Adoraria perceber a inocência das pessoas perante nós.
Houveram dois flagrantes, mas, quem dirá? Quem diria?
Retoquei o batom. Desci.
Nós nunca tivemos nada.

***