domingo, 25 de outubro de 2020

Talvez eu não tenha chegado certo à tua catastrófica cena.

Eu nunca cheguei certo em canto nenhum, se te conforta.

Se me conforta, pra ser sincera.

Cheguei errado no mundo.

Toda estranha. Uma e dez da tarde de uma segunda-feira.

Quem nasce a estas horas?

Hora de almoço, todo mundo no corre.

Gente começando a dieta, gente atrasada correndo no asfalto quente pra conseguir chegar menos atrasado no compromisso das uma.

Não tão quente não porque era maio.

Mas mesmo assim.

Eu tava ali nascendo, atrapalhando o fluxo. A única menina do dia. No meio de 8 meninos.

Queria voltar lá a tempo de pegar o meu pai apontando pro berçário.

Dizer que, sabe, apesar de tanto o prodígio não vingou.

Mas como de costume eu ia chegar era errado.

Minha mãe andando a passos lentos comigo enrolada numa saída de maternidade vermelha e branca.

Meu pai abrindo a porta do carro.

Quem teria coragem de estragar esse filme?

Não tenho coragem desde lá.

Cheguei errado à tua catastrófica cena.

Seria exigir demais que eu chegasse certo agora.

domingo, 22 de dezembro de 2019

🔥

pretinho
eu sabia que
não era um pra sempre
mas que pelo menos fosse render
essa coisa da gente
essa coisa que a gente tinha
de fazer um estrago danado
do jeito certo
mas gostoso como se fosse errado
pretinho eu sabia
no fundo eu sabia
que a gente era uma fogueira do caralho
queimando uma palha
seca
como meus lábios ficaram
depois que eu entendi
que tu dizia vou chegar
mas era aquele jeito recifense
que a gente aprendeu
de dizer que vai embora.
enquanto juntos em furor e calmaria
como dois deuses descidos aos mortais
fiz oração ao seu corpo, onipotência
e ele ao meu, em divindade, tão iguais
foi ritual, pausado e tão sem pressa
a língua dele fazendo prece em meu ouvido
me dedilhando a espalhar nicotina em minha vulva
senti planetas orbitando o meu umbigo
foi tão celeste, o rito que fizemos
me senti vênus, não só deusa, devota sua
quis contar suas sardas como estrelas
e tatear a sua pele como a lua
porque nele, para mim tudo é beleza
e eu louvo o que ele chama imperfeição
mas não levanto um altar para o seu corpo
se pra adorá-lo, o faço aqui, na minha mão

quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

por que você toca?
eu pergunto
e tu pode responder
sei lá
porque é divertido
pra tirar uma braba no carnaval
normal
ou responder alguma outra coisa que te faça sentido
agora
mas com demora
não me traga essas respostas
prontas
mas responda
pra si mesmo
dentro
no coração
e se dê conta que tem que ter no mínimo identificação
do radical de identidade
se juntar com gente com o mesmo sangue nos olhos pra ver a cidade
tocar
a cidade
sentir a energia que corre nas veias mais ligeiro que sangue
porque sai do coração e toma a cabeça e o corpo num instante
instante que num instante passa
comparado ao que a gente passa
o ano inteiro fazendo
e eu entendo
que eu toco porque algo me toca antes
algo que é das mães das mães das minhas mães
pra colocar pra fora algo que talvez tenha passado tanto tempo escondido
na minha pele
na minha carne
na raiz do meu cabelo
na ponta dos meus dedos
no meu ventre
algo que é delas mas que é meu também
pois bem
eu te digo
que toco para que os meus que vieram antes de mim me vejam e se sintam vivos
eis o motivo
que religiosiosamente guardo os domingos
que bebo da minha própria ancestralidade
e o que é Maracatu se não religião que de tão livre desatina e vira arte?

sábado, 3 de novembro de 2018

Isso aqui anda vazio porque eu ando vazia.

Primeira vez que a dor me vem isenta de arte.

quinta-feira, 28 de junho de 2018

A energia que eu tinha em mim
pra te dar
foi tanta que
com ela eu acendi estrelas
com ela eu abri os mares