quarta-feira, 21 de dezembro de 2016

Maré Alta

É maré alta —
quase não alcanço o chão.
A sociedade só vê a cara e o cifrão.
É maré alta —
a água passa do pescoço
afogando toda essa gente que vive o mesmo sufoco.
Na rua segue o fluxo de uma triste multidão
controlando suas vidas eletrônicas na mão.
Apressada, no tempo se distrai
sabe bem pra onde vai
mas ao mesmo tempo não.
Na mesma rua, mãos vazias, estendidas por um trocado,
e a população também vazia nem sequer olha pro lado.
Um menino aproveita — de novo, sinal fechado —
mas a barreira é bem maior do que o vidro do carro.
Na zona norte da cidade nasce o filho do patrão
vai crescer, um bom rapaz, ter estudo, educação.
Vai fazer vestibular com a mãe rezando no portão!
E se passar — primeiro lugar, engenharia —
e assim vai funcionando a tal meritocracia.
Tem que se esforçar, que a vida vê e traz?
Mas pra cada um que corre a gente tem que correr mais.
Atrás de um sonho, de nome, de ser alguém.
De um futuro incerto que a gente nem sabe se tem.
É maré alta —
quase não alcanço o chão.
A sociedade só vê a cara e o cifrão.
É maré alta —
e tem que saber nadar
porque a vida dá a boia mas pra quem pode comprar.
Revista, jornal, internet, televisão!
— escolha freguesa, algo pra se entreter — é a feira da informação!
Assim fica difícil ver/perceber/entender toda essa confusão.
Tira a vista desse caos — olha lá, um avião —
Uma semana de manchete pra camuflar a situação.
Mas pra quê pensar em crise se a gente pode trabalhar?
Doze horas de jornada, uma só pra almoçar
— e tem o transporte público — dois pra ir, dois pra voltar
Mal sobra tempo pra dormir que dirá para pensar.
E se eu sou estudante? O que vão falar de mim?
— vagabundo, libertino, um rebelde, gente ruim —
Se ser vagabundo é manifestar insatisfação, somos milhares de vagabundos lutando contra a opressão.
E por isso vai ter greve, manifesto e ocupação.
E há quem quis "manter a ordem" batendo sua panela,
A gente sabe muito bem que bosta de "ordem" é essa.
A dura realidade que a burguesia espera:
— Se é pelo champanhe do palácio, man,
que tenha sangue na favela. —
É maré alta —
quase não alcanço o chão.
A sociedade só vê a cara e o cifrão.
É maré alta —
e de que lado você tá?
Seguro dentro do navio ou à deriva no mar?