sexta-feira, 29 de janeiro de 2016

Bagunça

Você não tem vindo em casa, não tem visto a bagunça que deixou.
Que eu deixei que você fizesse.
Deveria ter te permitido entrar sim, eu sempre gostei das suas visitas. Mas deveria ter me mantido em constante espreita, vigiando cada passo teu.
"Olha, não vira essa estante... Não remexe essa gaveta aí não!... Posso estar sendo chata mas essa é a quarta xícara que você quebra hoje e eu gosto muito delas...  Não faz isso... Tem cuidado com isso, esses bibelôs custaram caro... Para!"
Deveria ter te alertado desde o início.
Mas não, te deixei à vontade demais. E olha no que deu. Parece que eu sabia.
Mas é incrível a desimportância que as coisas tomam quando você está.
Minhas euforias por causa das tuas chegadas eram incessantes festas. Meus olhos vibravam igual uma criança, sorriam bestas como quem sente a onda bater. Tem coisa que eu não sei explicar e que só eu mesma entendo.
Você não tem vindo aqui pra ver. E se vier, vai dar meia volta da porta mesmo. Te conheço. Te sei, tu sabe.
Então, mas não precisa se preocupar. Eu sempre gostei das suas visitas.
Tenho arrumado tudo direitinho, tem hora que cansa, mas aí eu paro pra continuar no outro dia.
Tem dias que dá vontade de deixar tudo como está, sento e fico lembrando de você, que cada coisa fora do lugar é um recado seu de que esteve aqui.
Mas tem dias que abro as janelas e recomeço a faxina, esses são os melhores. Tenho encontrado coisa que eu nem sabia que ainda me pertencia.
Não sei quando termino, está cansativo e trabalhoso. Como você sabe, eu nunca tive jeito para arrumações. Mas o jeito que as coisas sorriem para mim, como se quisessem voltar pro lugar delas, digamos que é reconfortante e motivador.
Pode até parecer estranho ouvir isso de mim mas não estou com pressa, tenho me dedicado bastante mas  com  muita  calma,  porque sei que quando terminar eu vou poder descansar muito mais.
Quando estiver tudo em ordem, talvez você bata na porta.
Você ainda guarda o endereço. Você gosta dessa casa. E eu sempre gostei das suas visitas.
Te deixarei entrar, assumo o risco. Mas dessa vez apenas para um café nas xícaras que sobraram.

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